Friday, February 15, 2008

São Valentim ou sobre o estar apaixonado

Aproxima-se o 14 de Fevereiro, dia dos namorados. Dia sobre o qual acredito ser património da humanidade, pois diferentes culturas o comemoram. Este dia, assinala as relações humanas, especialmente aquelas que envolvem homens e mulheres que se dizem ou se acham apaixonados. Tal como o dia de Natal, 7 de Abril, 14 de Fevereiro é também dia de consumismo. Nestes dias não se medem os gastos. Trocam-se beijos, carinhos e outros afectos, mas também presentes. Uns fazem-no de livre e espontânea vontade porem, outros há que o fazem quase compelidos pela data, ou ainda por exigência do parceiro, ou cônjuge. Portanto, o dia de São Valentim, que remonta à tradições Ocidentais, mas também a Shakespeare é comemorado de diferentes maneiras, desde a forma mais tradicional à mais moderna. Pergunto agora sobre o que é estar apaixonado (a) ou sobre "sofrer de amores" por outrem? Um rápido exame às definições de alguns dicionários, e de alguns autores denotam paixão um sentimento dominante e exclusivo, agindo sobre a nossa conduta, orientando nossos juízos de valor e, impedindo uma lógica imparcial. A Bíblia (livro de origem judaico-cristã e também património da humanidade) aponta a paixão como desejos pertinentes à mocidade. Ou quando a cita, encara-a como algo ilícito, ou pecaminoso. Quanto ao amor, os dicionários definem de modo quase similar à paixão.

Chiara Saraceno afirma que as gerações mais jovens sofrem do "complexo do amor romântico", que homens e mulheres apaixonam-se por acaso e, gostam um do outro de modo desinteressado, sem olhar a classe, status, etnia, religião ou nível de renda. É esta proposição que nos propomos a analisar. Entretanto, Martine Segalen, e de forma mais contundente Peter Berger, afirmam que os relacionamentos entre homens e mulheres, ou até entre pessoas do mesmo sexo sempre teve bases utilitaristas. Muitas das vezes sustentadas por necessidades biológicas, por conveniências, compatibilidades, por valores socio-religiosos, ou de carácter económico. Muitas delas incluem trocas, não apenas de carinho e afecto, mas também trocas materiais. O dia de São Valentim é mais um dia convencionado a ritmo universal, onde os namorados, os apaixonados podem e devem expressar os seus sentimentos! Boa parte das demonstrações destes sentimentos incluem trocas de objectos materiais, por parte do homem. Perguntar-me-ei sobre como a mulher expressa os seus sentimentos de amor e paixão ao homem em Moçambique? No meio urbano, dia de São Valentim torna-se actualmente "grande dia" para os lojistas, floristas, boutiques, perfumarias, shopping centers, entre outros locais de comércio. E agora virou negócio de restaurantes, complexos que premeiam os apaixonados com jantares especiais. Mas também alvo do aproveitamento de operadoras telefónicas. Todos estes finalmente entraram no negócio do amor, promovendo seus produtos românticos/amorosos por meio de "sms's" apaixonantes, "possíveis" promoções de telefones celulares, objectos simbólicos e materiais em nome do amor e da paixão. Contrariamente a proposição de Saraceno, actualmente, tal como foi há tempos atrás, o Cupido flecha pessoas semelhantes através da homogamia social. No debate sobre a existência ou não de amor nas relações homens/mulheres, Segalen aponta que no passado, estas dependiam de oportunidades estratégicas, de capacidades económicas e de trabalho de um ou dos dois apaixonados. Apesar de teoricamente, qualquer um poder casar com qualquer uma, na realidade a escolha do parceiro não é livre. Tem como factores de atracção raça, classe, status, nível de educação, religião, grupo étnico e valores iguais. Portanto, o amor e a paixão evoluem na homogamia socio-económica, entre pessoas semelhantes. Existindo "em todos os meios sociais locais, instituições, praticas que permitem aos jovens encontrar-se, conhecer-se e escolher-se". Estes meios, podem ser a escola, o cinema, o teatro, o chapa ou o chat televisivo. Peter Berger vai mais longe ainda, ao concluir que "a flecha do Cupido parece teleguiada para canais bem definidos de classe, renda, educação, antecedentes raciais e religiosos". Na realidade, as relaxares de amor e paixão são cuidadosamente pré-definidas e, muitas das vezes planejadas, onde no final geram a emoção desejada". Se caminhamos na mesma direcção que o "mundo ocidental", que dizer das relações homem/mulher no nosso meio social? Poderá X sendo negro da etnia shangane "apaixonar-se" por Y de raça indiana? Ou ainda sobre as possibilidades de um encontro passional entre Z de nível básico e W licenciado(a)? Ou entre A cristão e B muçulmana ou vice-versa, quando vivemos a moda dos radicalismos religiosos? Ou ainda entre C shangane e D da etnia ndau?

No tocante ao critério de beleza comummente usado na nossa sociedade, os de pele mais clara têm sempre maior e melhor mercado do que os de pele mais escura. Tal como os de maior renda e prestígio tendem a mais oportunidades do que os menos ricos e de menor prestígio em termos de mercado/ encontros amorosos. Tal como as mulheres que usam tchuna baby e/ou blusas de alças parecem dispor de maior campo atractivo do que as restantes. Porventura não fazem os cabelos lisos, as extensões, mechas e madeixas mais sucesso do que as tradicionais tranças e penteados? Quanto aos homens, possivelmente a marca/geração do telefone celular denunciará o status e a viatura o nível de renda, como factores de atracção. Os ricos não casam com os ricos, e as pessoas de prestígio com outras de prestígio? Tal como a nível económico, a nível social e cultural também seguiremos a receita ocidental.

Referências:

SARACENO, Chiara (1988). Sociologia da Família. Lisboa: Imprensa Universitária.

SEGALEN, Martine (1999). Sociologia da Família. Lisboa: Terramar.

BERGER, Peter. (1999). Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística. 29ª ed. Petrópolis: Vozes.

BÍBLIA Sagrada (1986). 2 Timóteo 2:22, Mateus 5:28, Romanos7:5, 1Corintios 7:9, Gálatas 5:24. São Paulo: Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados.

Ercilio Langa: ercilio.langa@gmail.com

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