Tuesday, March 17, 2009

um olhar sobre a sociologia de conhecimento

Peter Berger e Thomas Luckmann falam da sociedade como realidade objectiva e como realidade subjectiva.
Segundo os autores para entender a sociedade como realidade objectiva deve-se compreender que o homem ocupa uma posição peculiar no Reino animal contrariamente aos outros mamíferos não possuem um ambiente especifico. Todos animais não humanos enquanto espécies vivem em mundos fechados, cujas estruturas são predeterminadas pelo equipamento biológico das diversas espécies animais.

Em contraste, a relação do homem com o ambiente caracteriza-se pela abertura para o mundo, e a peculiaridade da constituição biológica do homem repousa antes em sua componente instintiva. Esta peculiaridade do organismo humano funda-se em seu desenvolvimento ontogenético.

O organismo humano desenvolve-se biologicamente quando esta em relação com o ambiente. Isto é, o processo de tornar-se homem efectua-se na correlação com o ambiente. O ambiente é ao mesmo tempo um ambiente natural e humano isto é, o ser humano em desenvolvimento não somente se correlaciona com um ambiente natural particular, mas também com uma ordem cultural e social especifica, que mediatizada para ele pelos outros significativos que tem a seu cargo.

Não apenas a sobrevivência da criança precisa de certos dispositivos sociais mas a direcção de seu desenvolvimento orgânico é socialmente determinado. o período durante o qual o organismo humano se desenvolve até completar-se na correlação com o ambiente é também o período durante o qual o eu deve também ser compreendido em relação com o continuo desenvolvimento orgânico e com o processo social, no qual o ambiente natural e o ambiente humano são mediatizados pelos outros significativos.

Os pressupostos genéticos do eu são dados no nascimento. Mas o eu tal como é experimentado mais tarde como uma identidade subjectiva e objectivamente reconhecida, não é. Os mesmos processos sociais que determinam a constituição do organismo produzem o eu em sua forma particular, culturalmente relativa. O carácter do eu como produto social não se limita à configuração particular que o individuo identifica como sendo ele mesmo (ex: como “homem”, de maneira particular em que esta identidade é definida e formada na cultura em questão), mas com equipamento psicológico amplo que serve de complemento a essa particular configuração. O desenvolvimento comum do organismo humano e do eu humano em um ambiente socialmente determinado refere-se à relação particularmente humana entre organismo e eu.

Os homens em conjunto produzem um ambiente humano, com a totalidade de suas formações socio-culturais e psicológicas. O ser humano é um ser no nível animal (o homem partilha com outros animais). Logo que observamos fenómenos especificamente humanos entramos no reino social. A humanidade específica do homem e sua sociabilidade estão inextrincavelmente entrelaçadas.

A ordem social é um produto da actividade humano, ela é produzida pelo homem no decurso da sua continua exteriorização. A ordem social não é dada biologicamente nem deriva de quaisquer elementos biológicos em suas manifestações empíricas. O ser humano é impossível em uma esfera fechada de interioridade aquiescente, ele tem de continuamente se exteriorizar na actividade.

Quanto há institucionalização esta ocorre sempre quando há uma tipificação recíproca de acções habituais por parte dos actores, isto é, as tipificações que constituem as instituições são sempre partilhadas. São acessíveis a todos os membros do grupo social particular em questão, e a sua próprio a instituição tipifica os actores individuais assim como as acções individuais.

As instituições implicam, além disso, a historicidade e o controle. As tipificações recíprocas das acções são construídas no curso de uma historia partilhada. As instituições tem sempre uma historia da qual são produtos. Dizer que um segmento da actividade humana foi institucionalizado é dizer que este segmento da actividade humana foi submetido ao controle social.
A objectividade do mundo institucional “espessa-se” e “endurece” para os indivíduos duma determinada sociedade, pois que os indivíduos não questionam a razão das coisas limitam-se a dizer que “é assim que as coisas funcionam”. O mundo institucional transmitido pelos pais já tem um carácter de realidade histórica e objectiva.

A criança nas fases iniciais da socialização é completamente incapaz de distinguir entre a objectividade dos fenómenos naturais e a objectividade dos fenómenos sociais. Tomando a linguagem como um aspecto importante da socialização, ela aparece à criança como inerente a natureza das coisas, não podendo perceber a noção do carácter convencional dela.

De facto as instituições são integradas, mas a sua integração não é um imperativo funcional do processo social que as produz, e sim é antes realizado de maneira derivada. Os indivíduos executam acções separadas institucionalizadas no contexto da sua biografia. Esta biografia forma um todo sobre o qual é feita posteriormente uma reflexão na qual as acções discretas não são pensadas como acontecimentos isolados mas como partes relacionadas de um universo subjectivamente dotado de sentido, cujos significados não são particulares ao individuo, mas socialmente articulados e compartilhados.

Um mundo institucional é experimentado como realidade objectiva, tem uma historia que antecede o nascimento do individuo e não é acessível à sua lembrança. Já existia antes de ter nascido e continuará a existir depois de morrer. A biografia do individuo é aprendida como um episodio localizado na historia objectiva da sociedade de factos inegáveis. As instituições estão ai, exteriores a ele, persistentes em sua realidade, queira ou não.

O conhecimento primário relativo à ordem institucional é o conhecimento situado no nível pré-teórico. É a soma de tudo aquilo que “todos sabem”, a respeito do mundo social, um conjunto de máximas, princípios morais, frases proverbiais de sabedoria, valores e crenças, mitos, etc., cuja integração teórica exige considerável força intelectual. Neste nível toda a instituição tem um corpo de conhecimento transmitido como receita, isto é, conhecimento que fornece as regras de conduta institucionalmente adequadas. Este conhecimento constitui a dinâmica motivadora da conduta institucionalizada. Ela define as áreas institucionalizadas de conduta e designa todas as situações que se localizam, dentro destas áreas. Sendo este conhecimento socialmente objectivado como conhecimento.

Isto é, como um corpo de verdades universalmente válidas sobre a realidade, qualquer desvio radical da ordem institucional toma carácter de um afastamento da realidade. Este desvio pode ser designado como doença mental, depravação moral ou simplesmente ignorância crassa.
É importante ter em mente que a objectividade do mundo institucional, por mais maciça que apareça ao individuo, é uma objectividade produzida e construída pelo homem.

O processo pelo qual os produtos exteriorizados da actividade humana adquirem o carácter de objectividade é a objectivação. O mundo institucional é actividade humana objectiva. A sociedade é um produto humano. A sociedade é uma realidade objectiva. O homem é um produto social. A realidade do mundo social torna-se cada vez mais maciça no decurso de sua transmissão. Esta realidade, porém, é histórica, o que faz chegar à nova geração como tradição e não como memória biográfica.

O mundo institucional exige legitimação, isto é, modos pelos quais pode ser “explicado” e justificado. As instituições pretendem ter autoridade sobre o individuo, independentemente das significações subjectivas que este possa atribuir a qualquer situação particular. A prioridade das definições institucionais das situações deve ser coerentemente preservadas das tentações individuais de redefinição.

Quanto mais a conduta é institucionalizada tanto mais se torna predizível e controlada.
A realidade é uma realização no duplo sentido da palavra, no sentido de apreender a realidade social objectivada e no sentido de reproduzir continuamente esta realidade.

Quanto a sociedade como realidade subjectiva estes autores para desenvolver a sua perspectiva de socialização vão explicitar a sua concepção de dialéctica da sociedade e dos seus membros. Berger e Luckmann admitem três momentos no que apelidam de processo dialéctico em curso na sociedade: a exteriorização que é o processo através do qual o “membro individual da sociedade exterioriza o seu próprio ser no mundo”; a objectividade que é o processo através do qual essa exteriorização passa a ter uma realidade objectiva que se impõe mesmo a quem a exteriorizou; a interiorização é o processo através do qual o individuo interioriza o mundo social como realidade objectiva.

Estes três momentos fazem parte de um processo nunca acabado, em que a sociedade participa na construção do individuo e em que o individuo participa na construção da sociedade. A socialização primaria tem o seu começo na família, ela deve enraizar todas as socializações subsequentes para poderem ser bem sucedidas.
A família revela-se como um dos lugares privilegiados de construção social da realidade a partir da construção social dos acontecimentos e relações aparentemente mais naturais.

De facto é dentro das relações familiares, tal como são socialmente definidas e regulamentadas, que os próprios acontecimentos da vida individual que mais parece pertencer a natureza recebem o seu significado e através deste são entregues à experiência individual.

Segundo Berger e Luckmann “o processo inicia se pela interiorização ou seja, a apreensão ou interpretação mediata de um acontecimento objectivo como dotado de sentido é a manifestação de processos subjectivos de outrem que desta forma se torna subjectivamente significativo para mim”.

Esta apreensão pode não ser necessariamente congruente com o sentido que outrem atribui ao mesmo acontecimento. É ao longo da interacção sempre recomeçada que progressivamente se encontram congruência entre as interpretações que a criança faz de determinado acontecimento e as que estão subjacentes ao mundo dos socializadores.
A criança está profundamente tributaria do mundo dos adultos responsáveis pela sua socialização e da definição que os outros significados dão das situações.
Ela interioriza, não o ambiente que a rodeia, mas a definição que lhes chega através dos adultos com quem interage. De salientar que a interiorização que a criança faz não é mecânica, sendo este processo original para cada pessoa.

A criança torna-se membro da sociedade quando se tenha criado níveis aceitáveis de congruência entre os significados atribuídos pela criança e aos acontecimentos atribuídos pelos adultos, particularmente pelos adultos que se encarregaram da sua socialização.

A socialização primária é caracterizada pelo facto de o mundo dos adultos significativos não ser visto como um entre outros possíveis, mas antes como” o mundo tout court” com quem vai ter interacções privilegiadas na sua socialização primaria.
Inicialmente, as interacções fazem-se de tal maneira que a criança vai interiorizar os papeis a desempenhar, ligando-os ás expectativas de agrado ou desagrado que se apercebe causar neste ou aquele adulto responsável pela sua socialização.

Em determinado momento a criança ao notar que há padrões comuns de expectativas relativamente ao seu comportamento entre os adulto significativos, vai generalizar essas expectativas, atribuindo-os já não exclusivamente a este ou aquele adulto, mas à generalidade do mundo que é significativo para ele.
A socialização primária é insuficiente para tomar os indivíduos membros da sociedade actual, na complexidade que a caracteriza.

A família não tem condições para assegurar sozinha a socialização das suas crianças com vista à sua integração como adultos na sociedade.
Assim a socialização secundária que é a interiorização de submundos institucionais ou baseadas em instituições é cada vez mais longa e diversificada.
Na sociedade actual a socialização escolar é definida como a socialização secundária que se oferece a maioria das crianças e jovens.
A obrigatoriedade de traços cada vez maiores de percurso escolar é a expressão deste mesmo.
Surgem em seguida, modalidades diferentes de socialização profissional. A socialização secundária é apercebida como institucional em oposição ao que acontece na socialização primária, em que a criança não apreende os seus outros significados como funcionais institucionais, mas como mediadores da realidade tout court.

Na socialização secundaria os indivíduos são vistos como contingentes, são estes mas, poderiam ser outros. Outra coisa é dizer que não é indiferente que os socializandos estejam satisfeitos ou não com os socializadores que lhes couberam como sorte.

A socialização secundária não se esgota nas sociedades altamente escolarizadas na socialização escolar. Esta desemboca naturalmente na socialização profissional que se desdobra em varias etapas.

Os processos em que um adulto é chamado a viver quando se integra pela primeira vez num mundo profissional ou numa determinada organização de trabalho são distintos daqueles que experimentará quando tiver de assumir outros papeis. As pessoas ao longo da sua vida profissional vão viver processos sucessivos da socialização em que, por vezes há redefinição das suas identidades profissionais.

BIBLIOGRAFIA
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 13ª ed, Vozes editora; Petrópolis. 1996

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